25 dezembro, 2010

RÚSSIA & MONGÓLIA V

"20h00, 23 de Setembro de 2010, num Hotel em Olgii


Sanbainõ

Tal como aconteceu no dia anterior, a cidade acabou de sofrer um corte de energia eléctrica. A lua cheia encarrega-se de iluminar a cidade, mas tudo o resto está parado, lojas e restaurantes. Aproveito para reflectir e escrever sobre o que se passou nos últimos dias que estive Mongólia.


Depois de tanto tempo a viajar de comboio, acabei por passar a fronteira de camioneta. Entre a Rússia e a Mongólia, tudo é minuciosamente controlado. Quando se trata de uma fila de comboios compostos por dezenas de carruagens, o processo de passar a fronteira chega a demorar 10 horas ou mais. Por essa razão fui aconselhado em fazer o último trajecto de camioneta e antecipar a minha chegada a Ulaan-Baatar. Mas não foi preciso chegar à capital para a visita se tornar interessante. Depois da fronteira, tudo mudou. A paisagem, as pessoas, as roupas, até o menu do restaurante. Tudo mais asiático e exótico para mim. Foi o suficiente para redobrar o meu entusiasmo com o que me esperava.


Ulaan-Baatar revelou-se uma cidade cosmopolita e moderna oposta do resto do país, mas igualmente interessante. Mas não quis perder muito tempo lá, pois é o ponto final da minha viagem e terei de regressar com alguns dias de antecedência. Decidir o próximo passo é que não foi fácil. Li e reli o meu guia de viagem à procura de uma solução mas sem grande sucesso. Nas minhas viagens anteriores, fui sempre descobrindo melhores maneiras de viajar, aprender, e desfrutar o melhor possível a experiência. Mas aqui na Mongólia, aplicar as mesmas práticas, não pareciam que fossem resultar da mesma maneira. De uma maneira ou de outra, já deu para descobrir que a Mongólia é diferente de qualquer outro país que tenha visitado e que não é muito fácil de viajar.


Acabei por escolher o remoto e selvagem oeste e apanhei um avião para Khovd. À chegada encontro um aeroporto sem táxis. Tanto melhor, escuso de evitar os taxistas como de costume, e arranjo logo uma boleia fácil com os locais. Tanto Khovd como a cidade onde me encontro actualmente, são localidades bem isoladas rodeadas por montanhas e sem estradas em seu redor. Nos supermercados encontro sempre os mesmos produtos com pouca diversidade e stock limitado. As casas de banho e água quente é um luxo que pouca gente tem o privilégio de ter. Como tal, existe a casa dos banhos públicos que eu próprio já recorri. Nos tempos da união soviética, foram construídas escolas, edifícios governamentais, e prédios de apartamentos. Edifícios agora velhos contrastando com as típicas tendas e algum gado a passear livremente nas ruas.


No dia seguinte, tento arranjar transporte para Olgii, a próxima cidade no caminho para o parque nacional de Altai Tavan na ponta oeste da Mongólia. Depois de esperar uma manhã inteira, finalmente o jipe de marca russa fica cheio de passageiros e dá início à viagem. Cheio é favor, pois éramos 8 numa viatura de 5. Foi uma viagem muito desconfortável numa estrada existente apenas no mapa, com muita poeira, e uma criança enjoada ao meu lado que vomitou várias vezes. Por outro lado fiquei chocado com a beleza da vasta paisagem. Quis parar várias vezes e tirar fotografias mas tive que me limitar às decisões do condutor.


Em Olgii, encontrei 3 viajantes franceses com uma interessante história. Há sensivelmente um ano atrás, partiram de França de bicicleta. Entretanto passaram por muitos países e outros tantos meios de transporte que foram venderam e comprando. A pé, outras bicicletas, cavalos, e até burros experimentaram! Para já adiei os conselhos deles e rendi-me aos serviços de um guia experiente para uma expedição de 3 dias no parque nacional. Não há transportes públicos para lá, e agora no início do Outono, a maioria das famílias Nómadas já abandonou a zona o que torna difícil arranjar abrigo para passar as noites frias. Já tenho os mantimentos embalados para partir amanhã."



Filipe Tavares


PRÓXIMA CRÓNICA: [RÚSSIA & MONGÓLIA VI]

14 dezembro, 2010

RÚSSIA & MONGÓLIA IV

"19h00, 19 de Setembro de 2010, na estação de comboio de Irkutsk

Zdrast vuitsié

Estou na sala de espera da estação de onde vou partir num comboio em direcção à Mongólia. Um comboio nocturno até a fronteira e depois uma camioneta até Ulaanbaatar, a capital da Mongólia. Pena fazer o primeiro trajecto de noite pois este troço da linha que circula à volta do lago Baikal, tem as melhores paisagens de todo o Trans-Siberiano.


De qualquer modo, já dediquei os últimos 3 dias nas margens do Baikal. É o lago mais fundo do mundo que chega a atingir 1637 metros de profundidade. E os movimentos de placas tectónicas continuam a expandir o lago aumentando a sua área e profundidade. Os geólogos acreditam mesmo que um novo oceano se está a formar a partir deste movimento. A água é pura e totaliza 20% de toda a água doce existente no planeta. 80% da sua fauna e flora não se encontra em mais lado algum no planeta. Uma das espécies mais famosas, são leões marinhos de água doce! Por tudo isso, o lago Baikal é um autêntico tesouro biológico.


Depois da longa viagem de comboio não perdi tempo na cidade de Irkutsk. Logo no dia seguinte bem cedo, segui viagem numa carrinha e depois num ferry até a serena ilha de Olkhon. Mesmo antes da chegada dos Russos, a pequena ilha já era povoada pelos nativos asiáticos Buryat que a consideram um pólo de energia da sua religião Shaman, ainda hoje lá praticada. Além do lago, foi a minha oportunidade para visitar uma típica vila da Sibéria com as casas todas de madeira, fornos a lenha, e a típica sauna Russa.


Na viagem de camioneta, encontrei a minha companhia destes últimos dias. Dois espanhóis de Barcelona, e dois australianos. Além deles, muitos turistas Russos que nos últimos anos têm populado a ilha no Verão.


Além de contemplar a beleza natural da ilha, foram também dias de diversão e convívio. Em todo o lado, os locais partilham garrafas de Vodka em sucessivos brindes. Participei sempre apenas como espectador, mas no final também cheguei a “arrumar” os estragos!


Tirando a viagem que ainda falta, termino assim a minha curta visita à enorme Rússia. Fica quase tudo por conhecer, mas também fica uma boa impressão para repetir mais tarde."



Filipe Tavares


PRÓXIMA CRÓNICA: [RÚSSIA & MONGÓLIA V]

08 dezembro, 2010

RÚSSIA & MONGÓLIA III

"20h00, 16 de Setembro de 2010, no comboio prestes a chegar a Irkutsk

Zdrast vuitsié

Já só faltam cerca de 2 horas para o comboio terminar a sua marcha. Imitando os outros passageiros, já arrumei as minhas coisas e desfiz a cama do meu compartimento. Após quase 3 dias completos num ritmo preguiçoso de longas noites de sono e períodos de leitura, finalmente vou sair do comboio.


Através dos meus livros e dos museus que encontrei em algumas estações, tive a oportunidade de conhecer muita da história desta linha. No século XIX, as nações mais industrializadas deram início a uma corrida global pela conquista de novas fortunas e expansão imperial. Através da África, Ásia, e das Américas, expedições partiram em busca de novos territórios por civilizar e recursos naturais por explorar. A atenção da Rússia focou-se na vasta e inóspita região da Sibéria e a distante costa do Pacifico. Mas as ambições da Rússia foram cedo limitadas por um fraco controlo destas distantes regiões. A solução foi aproxima-las com a construção do longo caminho de ferro Trans-Siberiano.


Após 8 anos de construção, os primeiros serviços entraram em operação. Na Exposition Universelle de 1900 em Paris, ao mesmo tempo que foi apresentada a Torre Eiffel, a Rússia divulgou a sua grande obra de engenharia ao resto do mundo. Num pavilhão construido para o efeito, os visitantes eram presenteados com paisagens da Sibéria incluindo Ursos Polares embalsamados. Mais impressionantes, foram as carruagens de luxo. Os visitantes podiam experimentar os compartimentos pessoais, provar a comida no vagão restaurante, e visitar o salão de música com piano, a biblioteca, um ginásio, e os banhos! Enquanto os visitantes percorriam o comboio parado, uma paisagem pintada em múltiplas camadas deslizava pelas janelas simulando uma viagem de uma hora.


Na verdade, a publicidade da feira mundial criou expectativas demasiado aquém da realidade. O luxo não era tão grande como prometido. Nos primeiros tempos eram frequentes as avarias e longos atrasos, e a comida esgotava-se antes do fim da viagem. A travessia do lago Baikal não era feita por comboio ao longo da sua margem como acontece actualmente. As carruagens eram carregadas em grandes barcos a vapor e transportadas para a outra margem, onde uma outra locomotiva as esperava. Os barcos nem sempre eram capazes de quebrar o gelo mais espesso do Inverno atrasando a marcha do comboio por vários dias.


Muito coisa evoluiu entretanto e a minha experiência foi bem diferente. Todos os comboios de longa distância estão numerados e ordenados pela importância das rotas, velocidade, e o luxo dos comboios. O comboio nº1 (e nº2 no sentido inverso) faz a emblemática rota desde Moscovo até Vladivostok no leste mais longínquo. O meu comboio por outro lado partiu de Minsk da Bielorrússia há quatro dias atrás e termina hoje a sua marcha em Irkutsk. Eu fico para visitar o lago Baikal, mas o comboio e a tripulação regressam já amanhã para reencontrar as respectivas famílias na Bielorrússia 10 dias depois.


Apesar da minha óbvia satisfação em sair do comboio, a viagem foi toda menos aborrecida. A começar com as pessoas com quem dividi o compartimento, que cedo me fizeram sentir bem vindo. Primeiro um jovem estudante de uma cidade do norte da Sibéria quase dentro do circulo ártico. Perante a minha incredulidade, ele lá me foi explicando como se vive normalmente numa terra que chega a atingir 50 graus celsius negativos! Segundo, um típico Russo cujos mantimentos de viagem incluíam uma garrafa de vodka e duas cervejas, uma para antes de dormir, e outra para o pequeno almoço! Foi difícil conseguir recusar todos os convites para um brinde. Apesar de não falarmos nenhuma língua em comum, até nos entendemos muito bem com a ajuda do meu dicionário. Rapidamente também conquistei a simpatia das duas senhoras que tomam conta da nossa carruagem por turnos. Todos os meus companheiros e as hospedeiras, fizeram questão de me oferecer comida que no final dava para mais 3 dias de viagem! Foi difícil conseguir experimentar o restaurante do comboio sem parecer mal agradecido.


De entre todas as paragens do comboio, há sempre algumas mais demoradas que permitem sair, comprar mantimentos, visitar as estações e até alguns museus. Claro que não desperdicei nenhuma dessas oportunidades. As paragens do comboio foram rigorosamente cumpridas no fuso horário de Moscovo! Enquanto que dentro dos comboios e das estações tudo funciona na mesma hora de Moscovo, lá fora foi amanhecendo e anoitecendo cada vez mais cedo. A diferença já é de 5 horas para Moscovo e 8 para Portugal, e esta última noite foi uma autêntica confusão para mim. Espero me adaptar rápido pois não tenho muito tempo para visitar o lago Baikal."



Filipe Tavares


PRÓXIMA CRÓNICA: [RÚSSIA & MONGÓLIA IV]