27 março, 2006

DON MCCULLIN

O número de imagens que vislumbro todos os dias satura-me o olhar e torna-as efémeras. Existem excepções, o arquivo dessas imagens na minha memória surge naturalmente sem necessidade de justificações.

O registo fotográfico de Don McCullin em 1964 dos soldados congoleses atormentando prisioneiros antes da sua execução, faz parte desse universo, de imagens que aparentemente sem justificação racional ficaram retidas no meu pensamento. Uma possível resposta é a colagem desta imagem a uma realidade histórica da humanidade.
Sou impulsionado a conhecer melhor esse acontecimento histórico e a enquadrar o autor, a sua personalidade e o seu olhar próprio na realidade que retrata. Não me contenho a opinar, apesar de condicionado pela minha ignorância, talvez seja esta a fórmula mais indicada para expressar a minha personalidade sobre a imagem.

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Don McCullin – 1964
Congolese soldiers tormenting captured Lumumbist freedom fighters before killing them, Stanleyville

O continente africano encontrava-se em pleno processo de descolonização, o fundo da imagem está preenchido de infra-estruturas que indiciam a sua herança colonial. O seu estado de conservação faz-me supor que este conflito ainda se encontra no inicio. Esforço-me por deslindar quem são as partes envolvidas: - soldados ao serviço dos colonizadores e rebeldes independentistas? - ou soldados de uma republica independente e rebeldes de um território que procura a independência? Não é importante, porque o dramatismo da imagem não se modificava caso a posição das personagens fosse alterada!

Concentro-me novamente na imagem e assusto-me, o soldado que aponta a arma a um dos prisioneiros poderá optar por um dos outros e nesse momento, em que trocar de vítima, eu vou ficar na sua mira! Comparo os dois soldados, o da direita transmite-me mais humanidade, conhece o futuro dos rebeldes e sabe que a sua obrigação de carrasco é suficiente para constatar a sua loucura. O seu parceiro não se sente seguro, possivelmente nunca se vai aperceber do acto de loucura que vai cometer e atormenta os detidos para se tentar convencer da sua superioridade.

Percorro novamente a imagem e verifico que não necessito de ver a totalidade do rosto para encontrar medo, apesar de se encontrar mais longe da arma sabe que está condenado à morte. Acabo por formular mais uma questão: - será que para lá deste corpo mutilado pelos limites da fotografia existem outros aterrorizados com a sua condenação? Apenas posso supor que mesmo que não se encontrem fisicamente esta dúvida representa todos os outros que acabarão por ser executados.

Procuro fugir da mira da metralhadora, não sou o único, a luta pela sobrevivência é um instinto. O seu olhar cabisbaixo não solicita clemência, sugere introspecção, está ciente da sua condenação e reserva os seus últimos instantes para reflectir acerca da sua vida.

Sinto-me revoltado, quero salvar estes seres humanos, quero aceder ao pedido de ajuda! Olho para o soldado enraivecido, questiono-me do porquê de fazer mira quando o cano da arma está encostado à vítima, é impossível falhar. Concentro-me no seu olhar e surge uma possível resposta à minha questão: - não está a fazer mira, está sim a olhar para o fotógrafo e a posar como julga que os seus superiores gostariam que ele estivesse. Estou convicto que é o único retratado que está com preocupações com a pose, a dos outros surge naturalmente.

Volto à triangulação: olhar do fotógrafo (coincidente com o meu), olhar do soldado e percorro a aresta definida pela arma até ao terceiro vértice. Será que foi capturada num hospital? Não é relevante o mais importante é o seu pedido de ajuda ensurdecedor: POR FAVOR AJUDEM-ME, SALVEM-ME, SALVE-ME SR. MCCULLIN!