08 dezembro, 2010

RÚSSIA & MONGÓLIA III

"20h00, 16 de Setembro de 2010, no comboio prestes a chegar a Irkutsk

Zdrast vuitsié

Já só faltam cerca de 2 horas para o comboio terminar a sua marcha. Imitando os outros passageiros, já arrumei as minhas coisas e desfiz a cama do meu compartimento. Após quase 3 dias completos num ritmo preguiçoso de longas noites de sono e períodos de leitura, finalmente vou sair do comboio.


Através dos meus livros e dos museus que encontrei em algumas estações, tive a oportunidade de conhecer muita da história desta linha. No século XIX, as nações mais industrializadas deram início a uma corrida global pela conquista de novas fortunas e expansão imperial. Através da África, Ásia, e das Américas, expedições partiram em busca de novos territórios por civilizar e recursos naturais por explorar. A atenção da Rússia focou-se na vasta e inóspita região da Sibéria e a distante costa do Pacifico. Mas as ambições da Rússia foram cedo limitadas por um fraco controlo destas distantes regiões. A solução foi aproxima-las com a construção do longo caminho de ferro Trans-Siberiano.


Após 8 anos de construção, os primeiros serviços entraram em operação. Na Exposition Universelle de 1900 em Paris, ao mesmo tempo que foi apresentada a Torre Eiffel, a Rússia divulgou a sua grande obra de engenharia ao resto do mundo. Num pavilhão construido para o efeito, os visitantes eram presenteados com paisagens da Sibéria incluindo Ursos Polares embalsamados. Mais impressionantes, foram as carruagens de luxo. Os visitantes podiam experimentar os compartimentos pessoais, provar a comida no vagão restaurante, e visitar o salão de música com piano, a biblioteca, um ginásio, e os banhos! Enquanto os visitantes percorriam o comboio parado, uma paisagem pintada em múltiplas camadas deslizava pelas janelas simulando uma viagem de uma hora.


Na verdade, a publicidade da feira mundial criou expectativas demasiado aquém da realidade. O luxo não era tão grande como prometido. Nos primeiros tempos eram frequentes as avarias e longos atrasos, e a comida esgotava-se antes do fim da viagem. A travessia do lago Baikal não era feita por comboio ao longo da sua margem como acontece actualmente. As carruagens eram carregadas em grandes barcos a vapor e transportadas para a outra margem, onde uma outra locomotiva as esperava. Os barcos nem sempre eram capazes de quebrar o gelo mais espesso do Inverno atrasando a marcha do comboio por vários dias.


Muito coisa evoluiu entretanto e a minha experiência foi bem diferente. Todos os comboios de longa distância estão numerados e ordenados pela importância das rotas, velocidade, e o luxo dos comboios. O comboio nº1 (e nº2 no sentido inverso) faz a emblemática rota desde Moscovo até Vladivostok no leste mais longínquo. O meu comboio por outro lado partiu de Minsk da Bielorrússia há quatro dias atrás e termina hoje a sua marcha em Irkutsk. Eu fico para visitar o lago Baikal, mas o comboio e a tripulação regressam já amanhã para reencontrar as respectivas famílias na Bielorrússia 10 dias depois.


Apesar da minha óbvia satisfação em sair do comboio, a viagem foi toda menos aborrecida. A começar com as pessoas com quem dividi o compartimento, que cedo me fizeram sentir bem vindo. Primeiro um jovem estudante de uma cidade do norte da Sibéria quase dentro do circulo ártico. Perante a minha incredulidade, ele lá me foi explicando como se vive normalmente numa terra que chega a atingir 50 graus celsius negativos! Segundo, um típico Russo cujos mantimentos de viagem incluíam uma garrafa de vodka e duas cervejas, uma para antes de dormir, e outra para o pequeno almoço! Foi difícil conseguir recusar todos os convites para um brinde. Apesar de não falarmos nenhuma língua em comum, até nos entendemos muito bem com a ajuda do meu dicionário. Rapidamente também conquistei a simpatia das duas senhoras que tomam conta da nossa carruagem por turnos. Todos os meus companheiros e as hospedeiras, fizeram questão de me oferecer comida que no final dava para mais 3 dias de viagem! Foi difícil conseguir experimentar o restaurante do comboio sem parecer mal agradecido.


De entre todas as paragens do comboio, há sempre algumas mais demoradas que permitem sair, comprar mantimentos, visitar as estações e até alguns museus. Claro que não desperdicei nenhuma dessas oportunidades. As paragens do comboio foram rigorosamente cumpridas no fuso horário de Moscovo! Enquanto que dentro dos comboios e das estações tudo funciona na mesma hora de Moscovo, lá fora foi amanhecendo e anoitecendo cada vez mais cedo. A diferença já é de 5 horas para Moscovo e 8 para Portugal, e esta última noite foi uma autêntica confusão para mim. Espero me adaptar rápido pois não tenho muito tempo para visitar o lago Baikal."



Filipe Tavares


PRÓXIMA CRÓNICA: [RÚSSIA & MONGÓLIA IV]

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Olá, muitos parabéns pelo blogue! O meu filho parte amanhã para a Russia vai viajar de comboio de Chelabinski para Moscovo e eu estou um quanto preocupada porque ele vai viajar sozinho... será que é seguro viajar sozinho de comboio?

04/09/12, 00:06  

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