06 janeiro, 2011

RÚSSIA & MONGÓLIA VI

"22h00, 26 de Setembro de 2010, num Hotel em Olgii

Sanbainõ

Depois de 3 dias nas montanhas, sabe bem voltar à cidade, um banho quente e o toque de roupa lavada.


As montanhas do parque nacional Altai Tavan Bogd no extremo oeste da Mongólia são uma fronteira natural numa encruzilhada de fronteiras entre a China, a Rússia, a Mongólia, e quase o Cazaquistão também que se encontra 70Km mais a oeste. De facto esta região é maioritariamente habitada por Cazaques, a etnia do Cazaquistão, e a sua presença evidencia-se na cultura local.


A viagem pelas montanhas do parque nacional foi feita numa velha carrinha russa. Já viu melhores dias e o arranque ou era feito com o balanço de uma descida ou dando à manivela. No entanto a carrinha e o meu fiel guia cumpriram a sua missão mais uma vez. Sentado no meu banco, vi passar um espectáculo de vastas paisagens, montanhas, rios, lagos, animais, um glaciar, cemitérios, antigas estátuas, e até pinturas rupestres. Mas o melhor mesmo foi o contacto com as famílias nómadas que habitam esta zona.


Durante o longo inverno da Mongólia, todos os campos ficam cobertos de neve. A agricultura é impraticável e só no verão é que surge alguma vegetação que pode ser aproveitada como pasto para criação de animais. No verão, é importante aproveitar todo o pasto existente para o gado engordar e nessa altura as famílias deslocam-se para zonas mais altas. No inverno, abrigam-se em zonas mais baixas e esperam que o Inverno passe. Surgiu assim o estilo de vida nómada dos Mongóis.


Mudando de local 2 a 4 vezes por ano, as famílias não fazem construções definitivas. Abrigam-se em tendas redondas com uma estrutura de madeira e um bom isolamento. Um forno interior alimentado pelas fezes secas dos animais encarrega-se de proteger as famílias de temperaturas que por vezes chegam a ser tão baixas como 50 graus negativos. Um inverno longo e rigoroso significa normalmente grandes perdas para as famílias. Uma primavera prematura com bastante chuva, significa pastos mais ricos para os animais e um ano de fartura.


Nesta altura do ano, tinha algum receio de já não encontrar uma família que nos desse abrigo. Além de não me apetecer dormir numa simples tenda de campismo com temperaturas negativas, era também a primeira oportunidade de conviver de perto com os nómadas. Felizmente assim aconteceu e não será a única vez. À chegada foi-me oferecido o lugar de honra e comida, vários tipos de queijo, manteiga e iogurte. Ao jantar, cabrito cozido e a cabeça do animal pendurada num canto da tenda. Não falando a mesma língua, limitei-me a observar muito calmamente os simples rituais da família que me acolheu.



No segundo dia estacionamos a carrinha ao lado das tendas mais próximas do glaciar da montanha Tavban Bogd, a mais alta da Mongólia que atinge 4374 metros de altitude. Os últimos 17km até o acampamento base do glaciar, tive que os fazer a pé mas valeu a pena. De regresso já de noite, mais um jantar no lugar de honra. Desta vez, um serão mais animado com a presença dos vizinhos e umas aulas de Mongol para o forasteiro. De manhã, aproveitando a boleia da carrinha, transportamos os pertenceres da família alguns quilómetros mais abaixo no sopé da montanha. Foi a última noite deste ano que passaram naquele local.


Não só à noite mas também durante todo o percurso, fui encontrando muitas outras tendas e nómadas a orientar e proteger os seus animais. Todos andam de cavalo e alguns carregam armas. Existem muitos lobos e raposas que atacam os animais. No último dia já de regresso, avistamos um lobo a comer um cordeiro. O meu guia desvia-se do caminho e persegue o lobo. Eu tento tirar uma boa foto, enquanto que ele tenta atropela-lo. Quando desistimos voltamos para trás onde o dono do cordeiro já lamentava a má sorte. Um pouco por todo o lado se encontram carcaças de animais.



Agora de regresso à cidade, pondero o próximo passo. As opções de transporte nesta região são muito limitadas, mas não me apetece regressar à capital já. Os conselhos dos outros viajantes vão no sentido de explorar a região de forma independente e aproveitar a hospitalidade local durante alguns dias."


Filipe Tavares


PRÓXIMA CRÓNICA: [RÚSSIA & MONGÓLIA VII]