12 janeiro, 2010

INDONÉSIA III

"14h00, 26 de Setembro de 2009, Makassar, Ilha de Sulawesi

Selama Siang

A ilha de Sulawesi aparece no mapa com uma forma estranha. Mas não é isso que me chama a atenção no meu guia de viagem. Um cenário de montanhas, vulcões, campos de arroz, e um povo de uma misteriosa cultura com elaborados rituais fúnebres, sepulturas carregadas de tesouros, búfalos como animais de culto, casas gigantes com formas de barcos, e familiares falecidos que vivem em casa juntamente com os vivos. Além disso a ilha oferece uma série de atracções naturais com vários parques nacionais que albergam espécies únicas no mundo, e principalmente, uma costa marítima riquíssima com alguns dos melhores locais de mergulho da Indonésia.


Convenientemente localizada nas rotas de voo a partir de Papua, comecei a minha visita em Manado, no ponto mais a norte da ilha. A Indonésia é um excelente país para os praticantes de mergulho e um dos sítios mais populares são as três pequenas ilhas que compõem o parque nacional marinho de Bunaken a cerca de uma hora de barco da cidade.


A ilha principal tem uma pequena aldeia de pescadores e muitos resorts de mergulho. Com tantos barqueiros a oferecer o serviço de transporte no porto de Manado foi fácil lá chegar, mas uma vez lá sou surpreendido com a lotação esgotada de quase todos os resorts. Apesar de ser uma zona maioritariamente cristã, o final do Ramadão no início desta semana foi uma grande celebração por toda a Indonésia. E com dois dias de feriados nacionais foi também uma semana de férias para muita gente que decidiu mergulhar em Bunaken. Finalmente arranjo um lugar no Hotel de Lorenzo, um senhor que afirma ter um avô Português, tal como muitos outros residentes do Norte de Sulawesi.


Fiz três mergulhos em Bunaken. É difícil descrever a sensação de estar debaixo de água e contemplar um espectacular mundo colorido de corais, peixes, tartarugas, e muitas outras criaturas. Definitivamente tenho que comprar uma maquina fotográfica subaquática pois é imperdoável não ficar com registos destas experiências.


Tirando o mergulho os dias em Bunaken foram calmos e relaxantes. Tal como em Madagáscar, tive direito a um bungalow praticamente em cima da praia, embora esta um pouco fora do vulgar com imensas árvores e vegetação dentro da maré cheia. As refeições incluídas no preço são tomadas numa mesa comunitária com todos os hóspedes do Hotel. Foi assim que conheci Marti, uma viajante Checa com um sentido de aventura ainda mais apurado que o meu. Acabámos por viajar juntos durante os próximos dias em que estive em Sulawesi e foi uma agradável companhia.


Tomohon é uma pequena cidade que fica nas montanhas a poucas horas de Manado e Bunaken. A nossa visita foi curta mas bem aproveitada por entre as montanhas nos pequenos e lotados transportes públicos e algumas boleias em carrinhas abertas. Visitámos um vulcão e um enorme lago com casas de pescadores sobre água ao longo das margens. Alguma chuva interrompeu a visita mas até isso proporcionou alguns jogos de ping pong com os locais num animado bar abrigado. A final foi renhida com recurso a vantagens e batota dos locais mas a selecção da Indonésia acabou por ganhar contra a dupla de Portugal e República Checa.


Mas em Tomohon a grande atracção foi mesmo o seu mercado semanal. Tal como me disse um dos seus habitantes, o povo do norte de Sulawesi é cristão e não muçulmano e como tal não tem restrições nos seus hábitos alimentares. Eu também sou cristão e não é por isso que achei normal alguma comida que encontrei à venda no mercado. Morcegos, ratos da selva, cães, e cobras parecem fazer parte da dieta desta gente! O rato e principalmente o cão estavam a ter bastante saída.



Normalmente eu ficaria apenas pelas fotos do mercado, mas Marti estava decidida a experimentar as especialidades locais e eu não podia ficar atrás. Não foi difícil encontrar um restaurante que as servisse. Pedimos morcego e rato! Bem, eu achei a carne de rato mais saborosa mas ambos os pratos estavam intragáveis para mim de tão picantes que eram. Melhor assim que me serviu de desculpa verdadeira para ficar só pela prova.


Ainda no norte de Sulawesi, fomos visitar a reserva natural de Tangkoko-Batuangas. É uma área protegida muito pequena mas com muitas atracções, tais como os pequenos Tarsiers que apenas existem na Indonésia e Filipinas. São uns pequenos primatas nocturnos que me fizeram lembrar os Ayaks de Madagáscar.


Além dos Tarsiers, caminhamos por entre uma comunidade de cerca de sessenta Macacos Pretos que não pareciam muito incomodados com as pessoas. Para finalizar ainda tivemos a oportunidade de avistar algumas aves de grande porte e de escalar o interior de uma árvore de trinta metros de altura! Valeu bem a pena acordar às 4h15 para fazer esta visita.



No aeroporto de Makassar preparo-me agora para deixar Sulawesi. Makassar é o maior ponto de passagem de voos domésticos e aqui separo-me de Marti. Ela vai reencontrar-se com dois amigos Checos que se deixaram ficar no conforto e animação de Bali, e eu escolho Kalimantan, o território da Indonésia da ilha de Borneo."



Filipe Tavares


PRÓXIMA CRÓNICA: [INDONÉSIA IV]

07 janeiro, 2010

INDONÉSIA II

"19h00, 19 de Setembro de 2009, Wamena, Vale Baliem, Ilha de Papua

Nayak Lak, Lauk Nya

Entusiasmado com histórias de exploradores, missionários, tribos primitivas, um mundo novo ainda por descobrir, decidi viajar logo para a ilha de Papua sem perder tempo em Jacarta.


A ilha de Papua, a segunda maior do mundo, está dividida em 2 partes com uma fronteira que parece ter sido traçada com uma régua. Do lado este, encontra-se Papua Nova Guiné, uma nação independente. Do lado oeste, encontra-se mais um território da Indonésia. Mas esta ilha pouco ou nada tem a ver o povo de Java. Os nativos de Papua tem raças, linguagens, e culturas muito próprias. A maior parte do seu território é inacessível por qualquer meio de transporte e muitos dos seus habitantes continuam a viver de uma forma primitiva tal como viviam há centenas de anos.


Existem até agencias de viagens que organizam expedições de “Primeiro Contacto” que proporcionam aos turistas endinheirados a experiência de serem os primeiros a descobrir uma nova tribo. Não me parece que isso seja mais possível mas sim, existem indígenas com culturas fascinantes sem praticamente qualquer contacto com a civilização. Mas esse tipo de expedições nas zonas mais remotas custam verdadeiras fortunas e exigem muito planeamento, o que não é muito compatível com um viajante sozinho sem planos como eu. Ainda assim, tentei conhecer um pouco da realidade de Papua no Vale Baliem nas montanhas do interior.


Apesar de ser um dos locais mais populares e acessíveis, não foi fácil chegar lá. Foram mais 3 dias entre viagens de avião e preparativos. Um dos passos necessários é conseguir uma autorização da policia mas isso até foi uma experiência curiosa. Depois de algumas tentativas em encontrar a esquadra correcta, um dos policias levou-me até à estrada, mandou parar o primeiro condutor de mota que passou e recrutou-o para ser o meu motorista! Ele pareceu bastante contente em ajudar-me e não se limitou apenas em cumprir a ordem que lhe foi dada, mas como também me ajudou depois a conseguir as fotografias de identidade e as fotocópias do passaporte que eram necessárias. No final ainda me deixou no aeroporto! Foi o maior exemplo da boa hospitalidade com que tenho sido recebido até agora.


Voar até a cidade de Wamena é a única maneira de aceder ao Vale Baliem. Além dos vários voos de passageiros, chegam e partem diariamente aviões com todo o tipo de carga. Tudo o que se possa imaginar vem de avião e tudo é inflacionado conforme o seu peso. Encontrei até uma loja ao lado do aeroporto com entrega de Pizzas take-away que apenas aceita as encomendas de véspera, pois claro as Pizzas são feitas fora e vêm de avião!!


Finalmente em Wamena sou logo abordado por vários guias que se oferecem para organizar uma expedição pelas aldeias do vale. É precisamente essa a minha intenção mas primeiro percorro todos os hotéis da cidade à procura de outros estrangeiros com quem possa dividir a experiência e as despesas. Encontro apenas um casal de Suecos que está de partida! Ao menos fico com a boa referência deles de um guia que não os abandonou ou exigiu um aumento a meio do percurso. Miki Mous, mais conhecido por Mickey Mouse, tornou-se assim o meu guia. Entrego-lhe uma pequena fortuna para ele comprar toda a comida e equipamento necessário e no dia a seguir lá estava ele honestamente na hora combinada à porta do meu hotel.


Para a minha curta expedição de apenas 4 dias pelas montanhas, o meu guia convocou a sua habitual equipa de 1 cozinheiro e 2 carregadores! Eram para ser 3 mas eu fiz questão de levar as minhas coisas. Mesmo assim, demasiado aparato para mim que estou habituado a fazer caminhadas com tudo o que preciso nas minhas costas. Mas é assim que o negócio funciona aqui. Primeiro trabalha-se como carregador enquanto se aprende os caminhos das montanhas, a cozinhar em campo, e a falar Inglês. O cozinheiro é uma posição intermédia que já não leva tanta carga e come as sobras dos cozinhados dos turistas. Já o guia é o chefe da expedição, não carrega nada e come no lugar de honra ao lado dos turistas.


Foram 4 dias excelentes entre as montanhas, florestas tropicais, aldeias e pontes tradicionais, rios subterrâneos, teias de aranha gigantes, noites em redor da fogueira em convívio com os meus colegas de expedição e com as famílias que nos acolhiam.


Percorrer a densa floresta não foi fácil entre terrenos alagados, lama, e troncos de árvores podres. Isso acrescido da dificuldade de subir e descer montanhas a mais de 3000 metros de altitude.


A passagem nas aldeias despertou sempre curiosidade especialmente das crianças. Em todas as noites fomos acolhidos no espaço de uma sempre numerosa família. As condições de vida são as mais básicas possíveis. Apenas pequenas cabanas de madeira e de palha com uma fogueira interior para os proteger das frias noites.


Cada família tem uma cabana onde dorme o homem e os seus filhos mais velhos, uma cabana para a primeira esposa, as suas filhas e os seus filhos mais pequenos, e ainda uma terceira cabana caso o homem tenha uma segunda esposa.


Em cada aldeia acabei por ser sempre o fotografo das fotos de família, e médico! Por acaso até trouxe doses extras de medicamentos e um termómetro nesta viagem, mas não acho que tenha conseguido ajudar muito.


Os missionários converteram e mudaram alguns dos hábitos deste povo como as guerras tribais, a prática de canibalismo, e a quase completa nudez. Mas ainda assim, de vez em quando surgia do nada um homem protegido apenas com a sua Goteca.


A expedição foi também uma boa oportunidade de conviver com o meu guia e os seus colegas e discutir um pouco sobre tudo de Papua, a sua história, a sua cultura, e a sua situação política actual. Descobri que Xanana Gusmão é também um herói aqui. Existe um grande movimento de luta pela Independência de Papua e Timor Leste é visto como um exemplo de sucesso. A autorização da policia serve precisamente para garantir que os turistas estejam longe das zonas de conflito.


Depois destes dias, fiquei com curiosidade de visitar outros locais de Papua mas entretanto já tinha comprado a viagem de regresso e amanhã vou para Manado, no norte da ilha de Sulawesi."



Filipe Tavares

PRÓXIMA CRÓNICA: [INDONÉSIA III]